TRADUCCIONES
MUESTRARIO DE OTRAS LITERATURAS POSIBLES
Digo Digo-o: não se escreve com medo. Devia perguntar-se aos poetas a quem lêem eles os seus versos, antes de os publicarem. Todos passam por essa corda de segurança. O poema de hoje lembra-me um Tempos Modernos, em que os poetas são operários como as poetas são aplicadas donas de casa. Opto pela androginia de género. Gosto de poetas que lêem versos às mães: as mães sentadas de televisor apagado, ouvindo-os, a coragem dos filhos e o pudor das mães, que sorriem como, de manhã, ao levantarem-lhes os lençóis manchados. Nisso ainda são delas, as ejaculações privadas que obrigam a lavar à mão cuecas em água quente e lixívia. Fariam o mesmo com os poemas; e eu, que pouco entendo de poesia, adoraria ler um poema esterilizado por cuidados maternos. As mulheres são diferentes, nenhuma mostraria os seus poemas ao pai. As intimidades das filhas são segredos pregados às costas paternas, quadros fixados numa parede móvel onde confortavelmente se deixam embalar sem que, por isso, os pais o saibam. Todos são paredes de casa expostas ao sol; voltados para fora, são tão fáceis de amar. Não há poeta que não seja filha de seu pai; nisso são equivalentes a eles, filhos de sua mãe. E talvez o problema operacional do verso seja esse: a falta de óleo na engrenagem que tritura a familiaridade. Todos deveriam ser pródigos, abandonar o conforto materno e evitar o mijo ou o sémen que manche páginas de livros. Poesia Kleenex é a melhor definição que me ocorre, ao pensar poeticamente na poesia contemporânea; e choca-me que ninguém se tenha lembrado ainda de imprimir versos do Pessoa em guardanapos de papel; ou Camões, que também serviria às saladas de entrada. Já vi xícaras de café com Álvaro de Campos e acho que Agustina, em curtas frases, faria brilharete em qualquer serviço de chá Vista Alegre. Para os kleenexes propriamente ditos, de uso vário, como se poderá mirar à margem da estrada, aconselharia alguma da poesia de 61 que, apenas por oito anos, não foi pródiga na sua auto-enunciação. Agora que a Renova imita a Alchimie du Verbe na produção das mais enigmáticas cores aliadas ao bom gosto genital de cada um, nada há a temer. Casi de noche Es casi de noche. Mujeres de diferentes edades esperan la llegada de quienes han de llevarlas. Mientras esperan, le hablan a las piedras con ojos que soportan la viudez de los días. Las he visto toda mi vida. Lejos de las piedras, junto al mar. Cuando se alquilaban casetas listadas, se llevaba la comida y las silletas de tijera para la arena, los niños aprendiendo a nadar en el mar, alejados de ellas, siendo solo sus puntitos dorados, apareciendo entre mareas. Los he visto toda mi vida. Llegaban al amanecer y se iban al final de la tarde, sacudiendo los pies en la arena. Rostros ajados por el sol que hoy convergen hasta la mudez de las piedras. Las veo y me alejo: esta calle está demasiado alejada del mar. Está oscuro. Las luces de los semáforos alumbran la explanada. La ciudad es una floresta en la que cada hombre sirve de modelo a la delgadez de las enredaderas. Lentos, marchan por la avenida, cuerpos de vid quemada por el claro de luna de enero. Ningún movimiento es desencadenado por el viento, ni un solo gesto: solo ramas tiradas a lo largo del abrigo negro de estos días fríos. No son mujeres hablándoles a las piedras. Son los hombres para los que tener todavía rostro es una irregularidad que en breve será suprimida. Una individualidad que concluye en la divergencia entre el caminar recto y el caminar por dentro. Los veo andando avenida arriba, y sus sombras huyendo avenida abajo, atravesándolos como parte de un pasado al que no niegan regresar. Cada uno por separado, dividido, dos “yoes” caminantes, paseando por las calles en opuestas direcciones, sin que alguien sepa, verdaderamente, hasta dónde puede regresarse. Volver sólo es posible hasta cierto punto. Se vuelve y se vuelve a la posibilidad de lo posible, y lo que no es posible, volver a la forma original, embrionaria del vientre materno, se mantiene en la línea cuestionable de este horizonte que los brazos podados de las enredaderas ya no podrán alcanzar. Lo que les queda es esto: el metafórico cuerpo de una idea que apenas existe como manera de decir: “es de noche ya desde hace mucho”. É quase noite É quase noite. Mulheres de diferentes idades esperam a chegada de quem as há-de levar. Enquanto esperam, falam às pedras com os olhos que carregam a viuvez dos dias. Vi-as toda a vida. Longe das pedras, junto ao mar. Quando se alugavam barracas listadas, se levava almoço e cadeiras desdobráveis para a areia, os miúdos aprendendo a nadar no mar, distantes delas, sendo só os seus pontinhos dourados, aparecendo entre marés. Vejo-lhes toda a vida. Chegavam de manhã e partiam ao fim da tarde, sacudindo dos pés a areia. Rostos quebrados de sol que hoje convergem até à mudez das pedras. Vejo-as e passo: esta rua é um caminho demasiado distante do mar. Está escuro. As luzes dos semáforos alumiam as clareiras. A cidade é uma floresta em que cada homem serve de modelo à magreza das videiras. Marcham lentos ao longo da avenida, corpos de vinha queimada pelo luar de Janeiro. Nenhum movimento é despoletado pelo vento, nem um só gesto: só galhos estendidos ao longo do sobretudo negro destes dias frios. Não são mulheres que falem às pedras. São os homens para quem o haver ainda rosto é uma irregularidade que brevemente será suprimida. Uma individualidade que se esgota na divergência entre o andar recto e o andar por dentro. Vejo-os caminhando avenida acima, e as suas sombras caminhando avenida abaixo, atravessando-os como parte de um passado a que não negam regresso. Cada um separado, dividido, dois eus caminhantes, passeando pelas ruas em direcções opostas, sem que alguém saiba verdadeiramente até onde se pode regressar. Voltar só é possível até um certo ponto. Regressa-se e regressa-se à possibilidade possível, e o que não é possível, o voltar à forma original, embrionária de colo materno, mantém-se na linha questionável deste horizonte que os braços podados das videiras já não podem alcançar. Resta-lhes isto, o corpo metafórico de uma ideia que apenas existe como forma de dizer: — já é noite há tanto tempo. Ojos Hablar tan bajo que nadie oiga, escribir tan minúsculo que nadie lea, tanto vaciar ojos y oídos hasta que me hallen desaparecida en el suelo que piso. Mi ausente yo comprando casas de porcelana para mi madre. Coleccionamos casas, pájaros enmarcados y budas mendicantes, que nos miran más allá de la panzuda ternura de un candelabro de latón dorado al que madre pasa lustre cada lunes. Ni tenemos casas ni alas. El Niño Jesús cojea y duerme en la almohadita de terciopelo rosado que le dejaron para hacer conjunto, en vez del cesto de pajas. No descansa, nos mira con ojos de vidrio pintado bien abiertos; nunca pude tener canicas, pues los adultos tenían miedo de que las engullera; pero yo no me tragaría los ojos de un Niño lastimado. Golpea en la noche mi alma y es posible que se la haya cambiado por ojos vidriosos a un Cristo de dos piernas. Gemir tan bajo que todos lo oigan, hablar tan silenciosamente que nadie pueda dormir, respirar tan lentamente que hasta los santos se despierten y los ángeles huyan de los cielos. ¿Qué otra forma tengo de recrear tu soledad en la mía? Olhos Falar tão baixo que ninguém ouça, escrever tão pequeno que ninguém leia, esvaziar tanto os ouvidos e os olhos que me achem sumida no chão que piso. Meu eu ausente, comprando casas de porcelana para minha mãe. Coleccionamos casas, pássaros nas molduras e budas mendicantes, que nos olham além da ternura bojuda de um candeeiro em latão dourado a que a mãe passa o lustre todas as segundas. Não temos casas nem asas. Cristo menino é perneta e dorme na almofadinha de veludo rosado que lhe deram para fazer conjunto na vez das palhas. Não repousa, olha-nos de olhos bem abertos de vidro pintado; nunca pude ter berlindes, pois os adultos tinham medo que os engolisse; mas eu não engoliria os olhos do menino magoado. Embate na noite a minha alma e é possível que a tenha trocado por olhos vidrados a um cristo de duas pernas. Gemer tão baixo que todos ouçam, falar tão silenciosamente que ninguém possa dormir, respirar tão pausadamente que até santos acordem e anjos se evadam dos céus. Que outra forma tenho eu de recriar a tua solidão na minha? Traducción: ÁNGEL MANUEL GÓMEZ ESPADA
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El Coloquio de los Perros. AL HAZMI, ALI ANDRADE (DE), EUGENIO ANGELOU, MAYA ARMITAGE, SIMON BERT, BENG BERTRAND, ALOYSIUS BHATTACHARYA, DEEPANKAR BIANU, ZENO BLANCHARD, MAURICE BLANDIANA, ANA BOUCHET, ANDRÉ (DE) BOURSON, GILBERT BOUVIER, NICOLAS BRODA, MARTINE BROWN, STACIA L. BUZZATI, DINO CALVET, VINCENT CAPRONI, GIORGIO CARDOSO, RENATO F. CASTRO (DE), MANUEL CÉSAR, ANA CRISTINA CHAMBON, JEAN-PIERRE CHAVAL CHESTERTON, G. K. CONTINI, DONATELLA CORSO, GREGORY COUTO, MIA COUTO, MIA [POEMAS] DEGUY, MICHEL DELANEY SPEAR, SUSAN DELERM, PHILIPPE DIMKOVSKA, LIDIJA DOMIN, HILDE DOMINIQUE ANÉ DOMINIQUE ANÉ [OKLAHOMA 1932] DRUMMOND DE ANDRADE, CARLOS DUPIN, JACQUES ELIOT, GEORGE ESPAGNOL, NICOLE ESPANCA, FLORBELA FERREIRA, VERGÍLIO FOLLAIN, JEAN GARCIA, JUAN GINSBERG, ALLEN GONZÁLEZ LAGO, DAVID GOZIS, GEORGE GRANDMONT, DOMINIQUE HAM, NIELS HAUTECLOCQUE, XAVIER (de) HÉLDER, HERBERTO HEMINGWAY, ERNEST HIERRO LOPES, BEATRIZ HIGHTOWER, SCOTT HOGUE, CYNTHIA IGLESIAS, XOSÉ JIYAN, RÊNAS JUDICE, NUNO KALÉKO, MASCHA KANDEL, LENORE KEROUAC, JACK KHAÏR-EDINNE, MOHAMMED KHENSIN, SUMITAKU KINNELL, GALWAY LACERDA, ALBERTO (de) LAYOS, ILÍAS LÉVIS MANO, GUY LUCA, GHÉRASIM LUCIE-SMITH, EDWARD McHUGH, HEATHER MAULPOIX, JEAN-MICHEL MAWGOUD, MONTASER ABDEL MERWIN, W. S. MICHAUX, HENRI MIERMONT-GIUSTINATI, ADELINE MILTON, JOHN MONTEIRO, KRISHNA MOORE, MARIANNE MORENO, ANNA NAPORANO, FERNANDO NERVAL, GERARD (de) NILO NUNES, LUIZA OLIVEIRA (DE), ALBERTO OSORIO GUERRERO, RODRIGO PESSANHA, CAMILO PESSOA, FERNANDO PINTO DE AMARAL, FERNANDO PLATH, SYLVIA POZZI, ANTONIA PRÉVERT, JACQUES PROUST, MARCEL QUINTANA, MÁRIO RAMBOUR, JEAN-LOUIS RAMOS ROSA, ANTÓNIO RAMOS ROSA, GISELA GRACIAS RATROUT, FAHKRY RILKE, RAINER MARIA RODRÍGUEZ-MIRALLES, JORGE HEMEROTECA
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